22 de fev. de 2013

"Da utilidade dos animais" - Carlos Drummond de Andrade (7º Ano - Século)


       Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e, além disso, são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca... Todos ajudam.
 — Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?
 — Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pelo se fazem perucas bacaninhas. E a carne, dizem que é gostosa.
 — Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
  —  Bem,  primeiro  serve  para  uma  coisa,  depois  para  outra.  Vamos adiante.  Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo.
 — Ele faz pincel, professora?
 — Quem, o texugo? Não, só fornece o pelo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer. Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru:
 — Bolsas, malas, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando na carne. Canguru é utilíssimo.
 — Vivo, fessora?
 — A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz... produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pelo dela preparamos ponchos, mantos, cobertores etc.
 — Depois a gente come a vicunha, né fessora?
 — Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer...
 — E a gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha.
 — Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?
 — A carne também é listrada? — pergunta que desencadeia riso geral.
 — Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disso. Ah, o pinguim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento — não sabem o que é? O cocô do pinguim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito com a gordura do pinguim...
 — A senhora disse que a gente deve respeitar.
 — Claro. Mas o óleo é bom.
 — Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa— Pois lucra. O pelo dá escovas de ótima qualidade.
 — E o castor?
 — Pois quando voltar a moda do chapéu para homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar um bom exemplo.
 — Eu, hem?
 — Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living de sua casa. Do couro da girafa, Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pelos da cauda para Teresa fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa... O biguá é engraçado.
 — Engraçado, como?
 — Apanha peixe pra gente.
 — Apanha e entrega professora?
 — Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe, mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.
 — Bobo que ele é.
 — Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras.
Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu Ricardo?
 — Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pelo, o couro e os ossos.
      (ANDRADE, Carlos Drummond de. Da utilidade dos animais. In: Para gosta de ler. 4ed. São Paulo: Ática, 1979. v.4, p. 17-20)
Vocabulário:
texugo - mamífero de corpo atarracado, cauda curta e pelos rijos que vive em grandes tocas cavadas no solo;
vicunha - mamífero da família dos camelídeos encontrado nos Andes do Peru, Bolívia, Argentina e Chile;
nitrato - elemento químico usado em fertilizantes;
living - sala de estar ;
biguá - ave aquática ;
bacaninhas (gíria) - bonitinhas, elegantes, simpáticas;


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